sábado, 28 de dezembro de 2019

O quintal - Capítulo 1

E quando o leão pulou para atacá-lo, Leonardo se encolheu e fechou os olhos com toda a força. Ufa! Quando abriu novamente os olhos estava na sua cama, são e salvo!
- Pai, por que sempre que o Leonardo está em perigo ele fecha os olhos e fica tudo bem?
- Porque esse é o segredo para se voltar do mundo da imaginação, filho. Quando se está em perigo.
Alexandre encarava o pai com os olhos arregalados e uma expressão de surpresa no rosto, como quem está pensando, "Puxa!".
- Papai, eu nunca consegui ir para o mundo da imaginação!
Pedro olhou com carinho para a filha e disse, sorrindo:
- Mas por que, Alice? Como esse nome lindo você já deveria ter visitado o País das Maravilhas!
Alice, com seus cinco anos, amava seu nome, tirado de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol. Alexandre já tinha oito e ficara muito orgulhoso quando, ao perguntar que personagem famoso tinha seu nome, aprendeu sobre Alexandre, o Grande, príncipe herdeiro da Macedônia e fundador do Império Grego.
Alice ficou de pé e, com as mãos na cintura, intimou o pai:
- Papai, você precisa me ensinar a ir para o mundo da imaginação! Já tenho cinco anos!
Pedro sorriu, pegou a filha no colo e respondeu:
- Por que então não combinamos de ir todos juntos?
Alexandre levantou-se, animado:
- Todos nós, pai! Até a mamãe?
- Claro, filho! Se ela também quiser ir.
Alice batia palmas sem parar até que franziu a testa e perguntou:
- Pai, você sabe mesmo o caminho?
- Sei, filha. Vou contar um segredo para vocês. Dá pra gente ir pelo quintal lá do fundo!
As duas crianças se olharam, admiradas, enquanto o pai sorria com satisfação.

(Continua)
 
 

sábado, 26 de outubro de 2019

São Paulo

Nota: o poema abaixo é uma ligeira adaptação do original "Recife", de Manuel Bandeira (1963).

Há que tempo não te vejo!
Não foi por querer, não pude.
Nesse ponto a vida me foi madrasta,
São Paulo.

Mas não houve dia em que te não sentisse dentro de mim:
nos ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
São Paulo.

Não como és hoje,
mas como eras na minha juventude.

Ainda existirá a velha casa de Dona Cecília?
Meu sonho era acabar morando e morrendo
Na velha casa de Dona Cecília.
Já que não pode ser,
Quero, na hora da morte, estar lúcido
Para mandar a ti meu último pensamento,
São Paulo.

Amor maior

Amor maior
Maior que o tempo
Que a distância
Maior que a circunstância
Amor sem medida
Amor pra toda vida
Amor que convida
a amar de volta

domingo, 21 de abril de 2019

Reencontro

Hoje reencontrei meu eu criança,
na figura de uma senhora quase centenária.
Me veio à mente sua estante cheia de livros
que meus olhos infantis inocentemente cobiçavam.
O caminho de volta para casa,
de mãos dadas com meus pais e olhos fechados.
Aquela senhora de quase cem anos
trouxe consigo um menino com seus dez.
E ao olhar seu rosto marcado pelo tempo
algumas lágrimas escaparam dos meus olhos
ao me reencontrar depois de tantos anos!


Décio Diniz (20.04.2019)

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Livros


Amo os livros!
Com eles sou eterno aprendiz
Eterno viajante
Meu roteiro é o mundo
É o tempo
Passado, presente e futuro
Outras dimensões, mundos paralelos
Com os livros sou poliglota,
Sábio, mendigo, indouto
Sou rei, escravo
Sou forte, sou fraco
Com eles sofro, choro, tenho medo
Sorrio, grito, sou corajoso
Com eles morro, renasço
Sou eterno
Aprendo que sou mortal
Com eles vivo, respiro
E continuo...

Décio Diniz

Passado


Tu, que nasces como dádiva,
Que lanças as sementes do amanhã
Num piscar de olhos és descartado
Incompreendido e injustiçado
Por que não te defendes?
Não mostras teu valor?
És o fio com que a Vida tece nossa história
Ponto a ponto, minuto a minuto
O que seríamos nós se não existisses?
Se hoje estamos aqui
É por tua causa
Por que te fez presente
Se temos a frágil esperança do porvir
É porque construístes sua base até aqui
Ó passado, tu não morres
Luta por teu lugar
Por teu valor
Mostra que és vida
Que és feito de cada pensamento
Cada palavra
Cada ação
De cada um de nós
Que ignorá-lo
É ignorar a si mesmo
E não dar-lhe valor
É negar o próprio valor que se tem.

Décio Diniz


"Falas em horror ao passado, mas que é o passado senão toda a nossa vida? Tens 25 anos; isso quer dizer que és 25 anos de passado, um décimo milésimo de segundo de presente e um negror de futuro adiante. E não amas o passado?" (Monteiro Lobato, 1907)


Memória genética


Sobre a mesa, uma revista que trazia uma crítica ao enredo duma novela sobre clonagem. “Pura ficção”, dizia, sobre a questão de um virtual clone humano “lembrar-se geneticamente” de acontecimentos envolvendo seu “pai” celular – a pessoa que de quem se usou o material genético para “produzir” o clone.

Sim, pura ficção. Mas, a sensação que me envolvia não era ficção. Não, não se tratava de uma clonagem. Nem mesmo de “outras vidas”, conforme acreditam alguns. Mas era algo grande, que tomava conta de minha mente e meu coração, à medida que eu lia as cartas, os diários, as anotações, as lembranças de alguém que viveu sua juventude por volta do início dos anos 1900.

Mais de cem anos se passaram! Mas, cada vez que lia aquelas palavras, a saudade apertava em meu peito, a ponto de algumas lágrimas nascerem em meus olhos e descerem discretamente pela minha face.

Saudade de algo que não vivi? Foi então que, em minha mente, a imaginação encontrou terreno fértil e passou a me ensinar sobre a verdadeira memória genética: lembranças e sentimentos que herdamos de nossos antepassados, que seguem um longo caminho, escondidos em algum cantinho de nosso código genético, e que, de repente, afloram em um de nós.

Isso explicava também a saudade do cheiro de terra, do mato, dos passarinhos, do céu azul e da vida no interior, que nunca vivi. Sim! Minha memória genética clamava por algo que não possuo hoje.

Tola imaginação! Não vê que tudo não passa de uma vontade, de um desejo de viver daquela maneira, de estar naquele lugar, de compartilhar daqueles momentos?

A imaginação cede a meus argumentos. Procura refúgio num cantinho da mente, onde estão as lembranças, a saudade, a vontade de (re)viver tudo aquilo!


Décio Diniz (23.09.2005)

domingo, 31 de março de 2019

Luto

Luto por muitos anos
Há anos estou de luto
Lutando matei um homem
Juro que foi culposo
Mas pago pelo delito
E por ele estou de luto
Pago em dobro porque, hoje preso,
O luto também é meu
Sofro a perda e sofri a morte
Porque o homem que matei
Era eu

Décio Diniz (março de 2019)

O quintal - Capítulo 2

Alexandre e Alice amavam ouvir as histórias que o pai contava. Eram histórias inventadas por ele, misturando personagens que já existiam co...