segunda-feira, 15 de abril de 2019

Memória genética


Sobre a mesa, uma revista que trazia uma crítica ao enredo duma novela sobre clonagem. “Pura ficção”, dizia, sobre a questão de um virtual clone humano “lembrar-se geneticamente” de acontecimentos envolvendo seu “pai” celular – a pessoa que de quem se usou o material genético para “produzir” o clone.

Sim, pura ficção. Mas, a sensação que me envolvia não era ficção. Não, não se tratava de uma clonagem. Nem mesmo de “outras vidas”, conforme acreditam alguns. Mas era algo grande, que tomava conta de minha mente e meu coração, à medida que eu lia as cartas, os diários, as anotações, as lembranças de alguém que viveu sua juventude por volta do início dos anos 1900.

Mais de cem anos se passaram! Mas, cada vez que lia aquelas palavras, a saudade apertava em meu peito, a ponto de algumas lágrimas nascerem em meus olhos e descerem discretamente pela minha face.

Saudade de algo que não vivi? Foi então que, em minha mente, a imaginação encontrou terreno fértil e passou a me ensinar sobre a verdadeira memória genética: lembranças e sentimentos que herdamos de nossos antepassados, que seguem um longo caminho, escondidos em algum cantinho de nosso código genético, e que, de repente, afloram em um de nós.

Isso explicava também a saudade do cheiro de terra, do mato, dos passarinhos, do céu azul e da vida no interior, que nunca vivi. Sim! Minha memória genética clamava por algo que não possuo hoje.

Tola imaginação! Não vê que tudo não passa de uma vontade, de um desejo de viver daquela maneira, de estar naquele lugar, de compartilhar daqueles momentos?

A imaginação cede a meus argumentos. Procura refúgio num cantinho da mente, onde estão as lembranças, a saudade, a vontade de (re)viver tudo aquilo!


Décio Diniz (23.09.2005)

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