terça-feira, 22 de junho de 2010

De volta a lugar nenhum

Sempre fui fascinado pela idéia de voltar ao passado. Não acreditava em máquinas do tempo, ou coisas assim. Mas, tinha certeza de que havia alguma maneira de transpor a barreira do tempo. Talvez não para o futuro, que ainda não aconteceu, mas certamente para o passado.

Certa vez, assisti a um filme onde o protagonista conseguiu voltar ao passado por livrar-se de qualquer coisa que estivesse ligada ao presente, ao passo que se concentrava num ambiente caracterizado pelo passado. De algum modo talvez isso fizesse sentido. Por várias vezes tive a nítida sensação de que um cheiro ou uma música, mesmo que por alguns segundos, me transportava ao passado. Era isso o que eu precisava fazer. Reconstituir exatamente a cena de algum tempo atrás. Tinha de dar certo.

Entrei no carro, liguei o som e coloquei a música. A mesma que ouvi anos atrás. Fui direto para o lugar em que achava ter sido o ponto de partida para tudo o que havia acontecido desde então – aquela curva. Pouco antes do trevo, aumentei o volume do som e acelerei o carro. Tinha de fazer exatamente como daquela vez, fazendo a curva de repente. Os pneus cantaram e o carro girou, entrando no trevo e atravessando a outra pista.

Ao entrar pela rua principal, senti um frio pelo corpo e o coração bater forte. O que havia acontecido? Uma forte neblina envolvia tudo lá fora, e a vista pela janela do carro parecia desenhada a carvão. Era como se eu estivesse assistindo a um filme em preto-e-branco. Encostei o carro e desci. O ar gelado endurecia minha pele e um arrepio correu por todo o meu corpo. Não se via uma pessoa na rua, nenhuma luz nas casas. Nenhum barulho, nenhum ruído. Apenas o dos meus passos lentos. Me senti como um vivo caminhando pelo mundo dos mortos. Ou seria aquilo o futuro? Parecia mais um tempo perdido. Nem passado, nem futuro, embora também não fosse o presente. Subitamente, tive a impressão de que estava perdendo os sentidos. Fechei os olhos e tentei respirar com dificuldade. Ao abri-los novamente, estava em meu quarto, a escuridão quebrada apenas pela luz vermelha do visor do relógio, marcando três e meia da madrugada.

Tudo então não havia passado dum sonho? A sensação era tão real que não conseguia acreditar nisso. Meus pensamentos estavam confusos, embaralhados. A única coisa que vinha de forma bem clara à mente eram as palavras que ouvi certa vez: “Nunca volte a um lugar em que você foi feliz.”

Décio Diniz (abril de 2006)

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