quinta-feira, 29 de outubro de 2009

De volta ao Sítio - Capítulo 6


Juca

- Pois bem, senhor Escritor de cartas, temos que arrumar algumas coisinhas no que diz respeito a sua pessoa.
- O que você vai aprontar, Emília?
- Vou consertar meu visitante para que ele fique no ponto para entrar para nossa turma. Não é isso que ele quer?
- Consertar, Emília? Que estória é essa? E desde quando ele é seu visitante?
- Meu visitante porque eu vou deixá-lo no ponto para que esta visita dê certo. E vou consertar, sim. Com uma mexidinha aqui, outra acertadinha ali, este sítio vai ser visitadíssimo por ele.
- E o que você quer consertar em mim, Emília?
- Precisamos começar pelo seu nome.
- O que tem de errado nele?
- De errado nada. Mas precisamos de um apelido para você. Ninguém chama o Pedrinho de Pedro ou a Narizinho de Lúcia.
Emília fez cara de quem procurava um apelido em sua cabecinha. Olhou para "seu" visitante, franziu a testa, bateu o pé.
- Acho que dona Emília não está muito inspirada hoje - comentou o Visconde, com ares de deboche.
- Juca!
- Juca?
- Juca. Ju-ca. Juu-Caa. Ele tem cara de Juca.
- Por que Juca, Emília?
- Olhe bem, Pedrinho. Ele não te lembra alguém?
- Essas sobrancelhas...
- Isso mesmo! Ele é a cara do Monteiro Lobato. E o apelido dele quando criança era Juca.
Ficou assim resolvido. O "visitante da Emília" de agora em diante era Juca.
- Agora só falta uma coisa. Fechem os olhos todos.
Quando todos obedeceram, Emília cochichou ao ouvido de Juca: "Faz-de-conta que você ainda é criança!"
- Prontíssimo! Podem abrir os olhos.
Todos ficaram surpresos com a idéia da Emília. Juca era agora um garoto, assim, da idade do Pedrinho.
- Viva! Viva o Juca criança!
Juca olhava para si mesmo, numa mistura de susto com alegria.
- O que dona Benta vai dizer disso? - perguntou o Visconde.
- Vai dizer o que sempre diz: "Meu Deus, e eu que pensei que já tinha visto de tudo neste sítio!" E depois vai se derreter de amor ao perceber que ganhou um novo neto. Mas isso fica pra depois. Agora vamos continuar mostrando o sítio para o Juca.
Emília agarrou a mão de Juca e saiu correndo para o pomar.
- Vamos, Juca! Vou te mostrar o ribeirão.
Narizinho e Pedrinho correram atrás.
- Essa Emília não muda nunca. Se apoderou do anjinho, do Quindim, e agora do nosso novo amigo.
- Pode deixar, Narizinho. Vou ensinar o Juca a como lidar com essa bonequinha que se acha a dona do mundo.
E o Visconde correndo atrás deles:
- Ei! Esperem por mim...

FIM

Autor: Décio Diniz

De volta ao Sítio - Capítulo 5

A chegada

Tia Nastácia sempre era a primeira a se levantar. O ar fresco da manhã, antes do sol começar a aquecer o dia, lhe era muito reconfortante. Saía para o quintal e sentia o frescor das folhas molhadas pelo orvalho. Depois, na cozinha, começava a encher a casa com aquele aroma delicioso de café.
- Bom dia, tia Nastácia!
- Bom dia, Emília! De pé, já tão cedo? O que a bonequinha vai aprontá hoje?
- Ora! Hoje vamos receber o visitante misterioso de dona Benta.
- Hoje? Mas a sinhá nem respondeu a carta ainda.
- Eu respondi. Detesto esta estória de ter que esperar. Faz-de-conta que o ilustríssimo senhor Visitante recebeu minha resposta e já está de malas prontas. Daqui a pouco, depois do café, estaremos todos na porteira para recebê-lo.
Tia Nastácia às vezes ainda parecia se surpreender com as idéias da Emília. "Ninguém pode mesmo com essa bonequinha", pensou, enquanto tirava os pãezinhos do forno.

Como dizia Narizinho, naquela manhã Emília estava "com a corda toda". Tirou todos da cama, um por um, apressou tia Nastácia para servir o café e logo estavam todos na porteira, liderados pela bonequinha.
- Você tem certeza que ele chega hoje, Emília?
- Claro, Pedrinho! Confie em mim.
- Por que esse seu interesse tão grande nessa visita, Emília? Depois que eu li a carta, você tomou conta da situação, como se fosse uma de suas reinações.
- Pois não foi ele mesmo quem pediu minha ajuda?
Dona Benta balançou a cabeça, concordando.
Emília olhava para a estrada, apertando seus olhinhos de retrós.
- Vejam! Ele está chegando. Não tem cara de vovô não. Deve ter uns quarenta anos.
O "convidado" de dona Benta trazia uma mochila nas costas, e ao avistá-los na porteira acenou, com um sorriso no rosto.
- Ele está com aquela cara de quem acabou de encontrar algo que procurava há muito tempo - cochichou Emília no ouvido de Pedrinho.
- Tenha modos, Emília!
Dona Benta adiantou-se, cumprimentando o homem que chegava na porteira:
- Bom dia! Seja bem-vindo. Creio que o senhor é quem me escreveu de São Paulo.
- Bom dia, dona Benta! Sou eu mesmo. Mas, por favor, não me chame de senhor. Sempre quis ser seu neto.
- Acho que o senhor não tem idade para ser neto da dona Benta, não.
- Emília!
- Não se preocupe, dona Benta, Emília tem razão. Às vezes penso que ainda tenho a idade do Pedrinho! Sempre quis participar das aventuras com vocês, mas acho que cheguei tarde.
- Também não é assim - lembrou Pedrinho. Tia Nastácia já foi com a gente para a lua, a vovó para a Grécia.
- Isso mesmo, senhor Adulto. Tudo depende de você passar pelo nosso teste.
- Teste? Como assim, Emília?
- O teste da imaginação. E acontece que você já passou. A resposta que lhe mandei foi pelo faz-de-conta, e você fez tudo dinheitinho como lhe falei.
- Quanto à imaginação, sou igual ao Pedrinho e Peter Pan. Parei de crescer.
- Ótimo! E tenho uma idéia que vai deixá-lo ainda melhor.
Emília pegou a mão do visitante e saiu correndo para o quintal, seguida por Narizinho, Pedrinho e Visconde.

(Continua...)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

De volta ao Sítio - Capítulo 4

Estrelas

Aquela noite Narizinho foi para a cama com os olhos pesados de sono. Deitou-se e logo dormiu. E sonhou. Sonhou com o céu pontilhado de estrelas. Mas era o céu mais bonito que já tinha visto. As estrelas voavam de um lado para o outro e algumas pareciam descer quase que até a ponta de seu nariz. "Que maravilha! Parece até que estou viajando pelo céu novamente."
- Não é lindo, Narizinho?
- Emília! Você também está aqui?
- Que estória é essa, Narizinho? Sempre dormi aqui com você. Parece que está sonhando.
Narizinho percebeu que não era sonho. Estava em seu quarto, junto com Emília. E as estrelas eram...
- Não são lindos meus vaga-lumes?
- Parecem estrelas passeando pelo céu!
- O Visconde me convenceu que não seria correto prender os vaga-lumes dentro da garrafa só para fazer um abajur. Então combinei com eles que iluminassem nosso quarto esta noite e amanhã estão dispensados.
- Ficou lindo, Emília! Acho que vou dormir e sonhar que estamos passeando pelo universo outra vez. Boa noite.
- Boa noite, Narizinho.

Emília, na verdade, não dormia. Fingia dormir. Passava as noites raciocinando com sua cabecinha de macela, filosofando sobre a vida, planejando novas aventuras. Naquela noite, como não poderia deixar de ser, ela pensava na carta que dona Benta havia recebido.

"Que estória será essa de um menino que passou sua infância aqui no sítio? Quantos anos será que ele tem hoje? Será um simpático vovô como a dona Benta? E se Pedrinho estiver certo? Se for alguém querendo fazer um filme sobre o sítio? E se for um diretor famoso de Hollywood, desesperado para me contratar? Já estou vendo o cartaz do filme: A marquesa de Rabicó, estrelando... Emília! Mas 'Rabicó' é um nome nada artístico. Ficaria melhor A marquesa do Picapau Amarelo. Melhor ainda, A princesa do Picapau Amarelo. Mas não dá. A princesa daqui é a Narizinho. Foi ela quem se casou com um príncipe. Sempre falei que eu deveria ter me casado com um príncipe, ou um rei!"

A euforia de Emília foi por aí a fora até os primeiros raios de sol entrarem pela janela do quarto de Narizinho.

(Continua...)

De volta ao Sítio - Capítulo 3

Faz-de-conta

Depois do jantar todos estavam a postos na sala, esperando por dona Benta. Tia Nastácia já havia sentado no sofá e fechava os olhos de sono.
- Não disse que ela já sabe da novidade? Já dorme tranqüila o sono dos despreocupados, enquanto a gente fica aqui morrendo de curiosidade.
- Quieta, Emília! Deixa a tia Nastácia em paz. Vovó já está chegando.
Dona Benta entrou com um envelope na mão, e sentou-se em sua cadeira de balanço.
- Hoje recebi esta carta de São Paulo.
- São Paulo? De quem, vovó? - perguntou Narizinho.
- Algum restaurante famoso querendo contratar tia Nastácia? - brincou Pedrinho, rindo-se da pobre Nastácia que abria os olhos, assustada: "Que foi?"
- Que restaurante nada. Para mim é do Dom Pedro!
- Que Dom Pedro, Emília?
- Aquele que deu o "brado retumbante" às margens do rio Ipiranga, ora! Isso não foi em São Paulo?
- Acorda, Emília. Isso foi a quase duzentos anos!
Dona Benta ria-se daquilo tudo.
- Deixem a imaginação para depois, criançada. A carta não é de nenhum restaurante, muito menos de Dom Pedro I. Escutem que eu vou ler para vocês: "Querida dona Benta, há muito queria lhe escrever..."
Quando dona Benta terminou, Emília estava pensativa, com os dedos no queixo, olhar para cima.
- Então, pessoal, o que vocês me dizem disso? - perguntou dona Benta.
- O que será que ele quer aqui no sítio, vovó?
- Quem sabe ele quer fazer um filme, Narizinho! Ou uma entrevista, ou um documentário para a televisão?
- Será, Pedrinho? Ele disse que sente saudade daqui sem nunca ter vindo ao sítio.
- Mas disse também que em seus sonhos passou a infância aqui conosco - lembrou o Visconde.
- Esta parte me interessa - gritou Emília. Se ele não é mais criança, mas esteve aqui quando criança, e foi em sonho, então tem a ver com o faz-de-conta, e de faz-de-conta eu entendo.
- E ele apelou para você, Emília. Não sabe como chegar até aqui, mas acredita que você tem uma solução para isso.
- É claro que tenho. É como eu sempre digo, adulto se aperta por tão pouca coisa!
- E qual é a solução, Emília?
- Responda a carta, dona Benta. Diga que venha sim, que queremos conhecê-lo e descobrir o que ele quer realmente. Diga que venha logo porque já estamos esperando.
- Ela fala como se fosse a dona do sítio!
- Sei muito bem que a dona é a sua avó, Narizinho! Mas sei também que dona Benta nunca faria essa desfeita a alguém que quer conhecer o sítio.
- E não farei mesmo, Emília. Mas, afinal, ele quer saber como vir. O que eu respondo, bonequinha?
- Muito fácil. Diga para ele arrumar as malas, ficar prontinho e fechar os olhos com bastante força. Quando abrir novamente estaremos na porteira para recebê-lo.

(Continua...)

De volta ao Sítio - Capítulo 2

Vaga-lumes

Narizinho, Pedrinho, Emília e Visconde entraram na cozinha, alvoroçados como sempre.
- Onde vocês estiveram, meus netos?
- No capoeirão, vovó - respondeu Pedrinho, esticando seu bodoque.
- Capoeirão, Pedrinho! Não me digam que estão atrás de onça novamente!
- Não, vovó.
- Nem da Cuca!
- Não, tia Nastácia. Não disse que íamos buscar meus vaga-lumes?
- Vaga-lumes? E precisava ir até o capoeirão?
- É que meus besouros-espiões me informaram que hoje haveria uma assembléia de vaga-lumes na mata, dona Benta. Fui lá contratar alguns.
- Contratar? Que estória é essa Emília?
- Contratá-los para trabalharem em meu abajur.
Emília mostrou a garrafa cheia de vaga-lumes.
- Ué, você não disse que ia guardá num sei o que aí dentro?
- Não ia guardar não-sei-o-que nenhum, tia Nastácia. Eu disse que ia colocar meus coleópteros aqui. Os vaga-lumes pertencem à ordem dos coleópteros, não sabia?
- Emília! Você sempre com essa mania de falar difícil para a tia Nastácia - reclamou Narizinho.
- Mas que estória de abajur é essa, Emília?
- Faz tempo que estou com esta idéia, dona Benta. Vou deixar esta garrafa em cima do criado-mudo da Narizinho. Aquele, que além de mudo é surdo como uma porta. À noite, os vaga-lumes vão acender suas luzinhas e iluminar o quarto. Não vai ser lindo?
- Emília, Emília...
- Eu já expliquei a ela, dona Benta - lamentou o Visconde.
- Que a emissão de luz dos vaga-lumes tem a finalidade de aproximá-los para o acasalamento, etc, etc. Mas eu já disse que meu abajur de vaga-lumes não tem nada a ver com isso. Tudo isso aí é por conta da biologia, zoologia, insetologia, sei lá. Meu abajur funciona conforme a emiliologia.
- Emiliologia! Ora essa! - resmungou o Visconde.
- Calma, calma, vamos esfriar os ânimos. Nastácia logo vai servir o jantar. Todos para o banho. E depois tenho uma novidade para contar a vocês.
- Novidade? Pode me contar agora, dona Benta. Sou de pano, não preciso tomar banho nem jantar.
- Nada disso, Emília. A novidade é para todos e eu contarei depois do jantar.
Emília fez cara de desapontamento e puxou o Visconde para a biblioteca:
- Vamos, Sabugosa. Conte mais sobre a ciência dos coleópteros.
Pedrinho e Narizinho saíram confabulando sobre qual seria a novidade.

(Continua...)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

De volta ao Sítio - Capítulo 1

Em lembrança de Monteiro Lobato, que disse certa vez: "Ainda acabo fazendo livros onde nossas crianças possam morar".

"Esqueceste muito... e, no entanto, enquanto lês estas linhas, lembrar-te-ás vagamente das visões de outros tempos e lugares que divisavam teus olhos infantis" (Jack London).

Nota: Os direitos autorais da Obra de Monteiro Lobato pertencem à TV Globo e M.L. Licenciamentos (que representa os herdeiros do escritor). Esta história não tem como objetivo infringir tais direitos, mas apenas homenagear o criador do "Sítio do Picapau Amarelo".
...

Saudade

Naquele dia dona Benta havia recebido muita correspondência. Carta da filha Tonica, querendo saber de Pedrinho; um cartão-postal de Londres, mandado por uma das meninas que havia visitado o sítio para conhecer o anjinho que Emília trouxe da Via Láctea; além dos livros encomendados e revistas científicas para o Visconde, que agora lia em inglês e alemão. Em meio a tudo aquilo, uma carta de uma pessoa desconhecida. "Quem será?", pensou a boa senhora, "carta de São Paulo!"

Dona Benta abriu o envelope e começou a ler: "Querida dona Benta, há muito queria lhe escrever. A todos vocês! Não me conhecem, mas sinto muita saudade de todos. Em meus sonhos, passei minha infância com vocês, nesse lugar maravilhoso onde moram. Sabe o que é sentir saudade dum lugar onde nunca se esteve? Pois bem, não sou mais criança. Mas a saudade tem apertado e, de repente, o desejo de estar 'novamente' aí. Gostaria muito de sua permissão para fazer-lhes uma visita. Pedrinho, Narizinho e Emília não vão se entusiasmar com a visita de um adulto, mas, chegando aí dá-se um jeito. Mas, ainda há um probleminha. Não sei como chegar! A senhora sabe, adultos se perdem um pouco nestas coisas da imaginação. Será que a Emília pode me ajudar? Aguardo resposta. Com carinho, ..."

- Então teremos visita. Preciso avisar essa turminha.
Dona Benta levantou-se e foi até a varanda procurar pelas crianças.
- Narizinho! Pedrinho! Emília! Por onde será que anda esse pessoalzinho?
Nada das crianças aparecerem. Nem Emília, nem Visconde. Deviam estar no ribeirão, ou então de conversa com tio Barnabé.
- Nastácia, você sabe onde foram as crianças?
Tia Nastácia estava na cozinha, preparando o jantar. Já havia dado uma corrida no Rabicó que aparecera por ali procurando um lanchinho.
- Sei não, sinhá. Emília esteve por aqui me pedindo uma garrafa, mas não disse pra onde ia.
- Garrafa? Estão caçando saci outra vez?
- Não, sinhá. Ela disse que era pra guardá um tar de... de... sei lá, esqueci!
Dona Benta balançou a cabeça, rindo.
- Recebi uma carta, Nastácia. Duma pessoa de São Paulo, querendo nos visitar.
- Que pessoa, sinhá? Argum conhecido do Visconde?
- Não. Um garoto que não conhecemos, mas que diz ter passado sua infância aqui, com meus netos.
- Que istória é essa, sinhá? Como a gente num conhece se ele já veio aqui? Será que é o tar de Peter Pan?
- Não, Nastácia - riu dona Benta - na verdade é um garoto que já cresceu. Diz aqui na carta que já é adulto e sente muita saudade daqui. Mas não sabe como vir para cá. Pediu ajuda da Emília.

Tia Nastácia fez cara de quem não entendeu nada e mostrou à dona Benta o peixe que tirava do forno.
- Óia, sinhá. Uma delícia esse peixão que o tio Barnabé trouxe!
- É de dar água na boca, Nastácia. Daqui a pouco as crianças chegam morrendo de fome.
Mal dona Benta terminou de falar, escutou o barulho das crianças entrando pela sala.
- Vovó, vovó! Veja o que a Emília inventou!

(Continua...)

O quintal - Capítulo 2

Alexandre e Alice amavam ouvir as histórias que o pai contava. Eram histórias inventadas por ele, misturando personagens que já existiam co...